domingo, 28 de fevereiro de 2010

DE ONDE VEM TAMANHA SABEDORIA?!

A criança, a mãe e o pai: uma retrospectiva

Evandro Luís Silva - Psicanalista




“É em função das necessidades e dos valores dominantes de uma dada sociedade que se determinam os papéis respectivos do pai, da mãe e do filho” (Badinter, 1985, pg. 26)

Pensamos que, para se estabelecer o tipo de guarda, deve-se ter em conta as relações e vínculos entre pais e filhos – tem a ver com a forma da família se organizar. Neste sentido, achamos importante fazer uma retrospectiva das relações familiares no decorrer dos séculos, para entendermos como o papel de pai, mãe e filho são construídos de acordo com cada época e cultura, respondendo assim às necessidades sociais.

Esse percurso será norteado, principalmente, pelos autores Philippe Aries e Elisabeth Badinter, que tão sabiamente nos trazem dados importantes para conhecer e entender as relações familiares e a criança ao longo da história, a partir da sociedade Francesa.

Observamos que, nas sociedades medievais, as crianças viviam um anonimato perante a família. As amas de leite as levavam logo após o nascimento e, se não morressem -- pois os índices de óbitos infantis eram grandes --, eram devolvidas aos pais quando já estavam na faixa de quatro a sete anos de idade. As crianças eram entendidas como seres sem alma. Seus pais não estabeleciam vínculos com elas, tampouco se preocupavam com sua saúde. A sobrevivência destes seres pequenos estava ligada à sorte, pois era muito comum o infanticídio até o século XVII.

A morte dos filhos era encarada muito naturalmente, sem qualquer desespero, pois uma criança era facilmente substituída. Essa negligência e abandono eram de aceitação comum na sociedade. A partir de sua devolução pelas amas às famílias, eram consideradas adultas em miniaturas. Vestiam-se como adultos, e eram inseridas no mundo deles, sem restrições. Nessas sociedades não existia o “sentimento de infância” (Ariès, 1981).

Badinter (1985) trouxe questionamentos fundamentais que nos leva a entender que o amor materno como qualquer outro, é construído de acordo com as exigências sociais de cada época, e que o “instinto materno” é um mito. São questionamentos importantes como: se havia instintos, porque as mães se recusavam a amamentar e a educar seus filhos? Por que entregavam seus filhos a amas sesconhecidas, sem quaisquer referências ? Por que confiavam seus filhos a mulheres que em 14 meses perderam 31 crianças? Por que os entregavam as amas e não mais se preocupavam, não faziam visitas e até esqueciam-se de ir buscá-los?

A entrega dos filhos a amas de leite era um fenômeno generalizado em todas as camadas sociais, revelando verdadeiro abandono moral e afetivo por parte da mãe, do pai e de toda a sociedade, deixando as crianças em situações catastróficas. Moralistas do século XVIII ressaltam que os pais eram mais exigentes na escolha de uma criada ou de um serviçal de estrebarias do que com as amas de leite (Badinter, 1985).

E não param aí os questionamentos possíveis. Havia uma concordância maternal em certas sociedades de matarem as filhas mulheres. Havia, também, o que Badinter (1985) chamou de amor relativo. Amava-se mais o menino que a menina, mais o primogênito que o caçula. Aliás, o filho mais velho era amamentado e cuidado pela mãe. Segundo a autora, até o final do século XVII e início do século XVIII, o comportamento da mãe oscilava entre a indiferença e a rejeição.

Há uma corrente que acredita que as mães não se apegavam a seus filhos pois a possibilidade de morte era grande (Badinter, 1985, pgs. 138/140): mais de 25% das crianças morriam nos primeiros meses, e 2/3 das crianças que iam para amas de leite. No entanto, comungamos com a leitura de Badinter que “não é porque as crianças morriam como moscas que as mães não se interessavam por elas. Mas é em grande parte porque as mães não se interessavam que suas crianças morriam em tão grande número” (Badinter, 1985, pg. 87).

É a partir do século XVII que as crianças começam muito timidamente a receber um outro olhar, embora muito aquém dos dias de hoje. Do anonimato, passaram a ser seres engraçadinhos, que davam diversão. A aprendizagem que se dava no trabalho com os adultos passa a ser substituída pelas escolas, e começa uma preocupação com o infanticídio. “No século XVII, de um infanticídio secretamente admitido passou-se a um respeito cada vez mais exigente pela vida da criança” (Ariès, 1978, pg. 18).


A saúde da criança passou a ser uma preocupação inclusive do Estado, que preconizava a importância da população para um país, levando a criança a um valor mercantil, que produzirá riquezas. Com isso, a presença da mãe junto a seu filho é cobrada de forma ilimitada. A maternidade passa a ser um ideal, e assumi-la, sacrificando-se pelo filho, é característica da boa mãe, a santa mulher. Não assumir a maternidade, em contrapartida, é assumir-se como mãe má, indigna e mulher incapaz. O trabalho feminino é condenado e o universo da mulher passa a ser o seu lar, enquanto ao pai cabe a questão econômica.

É só a partir do século XIX que a família começa a se organizar em torno da criança, dando-lhe um papel de destaque. Os pais começam a interessar-se pelos estudos de seus filhos, e a afetividade que até então não existia, ou não era declarada e atuada, toma espaço de uma forma crescente. Marca-se aí a transformação da família: passa-se do público ao privado. A sociedade que tinha um papel especial, que se misturava e não se distinguia da família, sendo as casas uma continuidade da rua e dos negócios, passa a um segundo plano. As casas, que não permitiam qualquer intimidade e individualidade, precisando passar de cômodo em cômodo, pois não havia corredor, e com várias camas num mesmo cômodo que abrigavam casais, empregados e crianças, sem quaisquer reservas, passam a ter suas divisões, e cada cômodo respeita a privacidade que lhe é exigida. Enfim, a família se transforma, os valores são outros. “A família deixou de ser apenas uma instituição do direito privado para a transmissão dos bens e do nome, e assumiu uma função moral e espiritual, passando a formar os corpos e as almas” (Ariès, 1981,pg. 277).

Com os movimentos feministas, principalmente a partir de 1960, é que se intensifica a busca da igualdade social entre homens e mulheres, marcando de forma acentuada a entrada da mulher no mercado de trabalho. Havia uma denúncia de que as mulheres eram oprimidas pelos homens. É com esses movimentos que as mães conseguem escolher, sem culpa, deixar seus filhos em casa e ir para o trabalho, quer por necessidades financeiras, quer por realização profissional.

Com isso, a forma de organização familiar em que a mulher também contribui para o seu sustento ganhou e continua ganhando proporções consideráveis, tanto que hoje, no estudo e pesquisa sobre a guarda compartilhada e a exclusiva, chama-nos a atenção duas formas de organização familiar: uma, em que ambos os pais contribuem economicamente e afetivamente junto a família, e outra, na qual a mãe, contribuindo ou não economicamente, encarrega-se sozinha dos cuidados dos filhos.

Essa última forma de organização familiar abordada nos faz pensar o papel do pai como somente o provedor de bens, com uma função econômica, sem envolvimento com os compromissos dos filhos, e emocionalmente distante. Acreditamos que eles reproduzem, ainda, um discurso social que aquele é o papel do pai. E, em alguns casos, tal discurso é tão internalizado e cristalizado, que é como se realmente fosse determinado biologicamente, e não uma construção social. Parece que alguns pais, igualmente comparados a algumas mães, estão presos num determinismo biológico inexistente, entendendo como natural e herdado o papel de mãe – a que cuida da casa e filhos – e de pai – o que cuida do sustento familiar. Há uma tendência generalizada de se acreditar que processos sociais são naturais, confundir o cultural com o natural, determinado biologicamente. E é nessa linha que muitos pensam que a mulher vem naturalmente determinada para o cuidado da prole.

Assim sendo, parece-nos que as relações pais e filhos – a forma de organizar a família – antecedem a determinação do tipo de guarda. Pensamos que, mais que capacidade e disposição, deve-se verificar os vínculos existentes. Acreditamos que a guarda só será estabelecida de uma forma razoável quando os envolvidos nesse processo puderem fazer uma leitura da dinâmica familiar, dada a singularidade que lhe é peculiar.


AGORA DIGO EU:

Ou é por por esquecimento (talvez muito conveniente!), ou por pura ignorância que esta muito "sábia" gente omite um facto muito importante: em todas estas épocas, e até há bem pouco tempo, a mulher vivia sob o domínio do homem. Consequentemente -porque as leis e muitos dos hábitos culturais eram obra do homem, não da mulher- vivia subordinada às vivências da época.
Convém lembrar o Dr. Leandro Luis Silva que, na Idade Média, a mulher era igualmente considerada um ser sem alma: supostamente não sentia nada além da dor física!

Portanto, meus senhores, o instinto maternal existe sim: apenas foi aniquilado pela sociedade.

E parece-me que continua a haver um esforço nesse sentido, em vez de o restaurar...

Observem a natureza, e verão se eu tenho ou não razão. Ou será que esse instinto apenas se apresenta em outras espécies?!

Não é verdade que as leis e os hábitos sociais eram instituídos pelos homens, não por mulheres? A mulher agia consoante os hábitos da época. Mas não significa que não tivesse um instinto maternal: este permanecia latente, quando não lhe era permiido expressá-lo. Um pouco como nos nossos dias...

LEITURA OBRIGATÓRIA: entrevista a Martin Dufresne, intitulada EM NOME DOS FILHOS, OU "O RETORNO DA LEI DO PAI!"

Encontrei uns quantos textos que desmentem a ideia de que na Idade Média se considerasse que a mulher não tinha alma. Mas é certo que era vista como fonte do pecado, a menos que se dedicasse a Deus, mesmo quando era esposa e mãe. E também é certo que era inferior ao homem.

"Fica claro assim que não é possível analisar o que as mulheres pensam de si próprias: o que nos foi transmitido pelas fontes são modelos ideais e regras de comportamento que nem sempre são positivos.

Essa concepção de mulher, que foi construída através dos séculos, é anterior mesmo ao cristianismo. Foi assegurada por ele e se deu porque permitiu a manutenção dos homens no poder, fornecia uma segurança baseada na distancia ao clero celibatário, legitimou a submissão da ordem estabelecida pelos homens. Esta construção começou apenas a ruir, mas os alicerces ainda estão bem fincados na nossa sociedade."

Texto escrito pela Professora Patrícia Barboza da Silva Licenciada pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande – FURG.

RECUSO-ME A SER BARRIGA DE ALUGUER!!!!!!!!!!!!!


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