sábado, 23 de julho de 2011

OS ORFÃOS DE MÃE (EPISÓDIO DE INÊS DE CASTRO)

"Traziam-na os horríficos algozes
Ante o rei, já movido a piedade;
Mas o povo, com falsas e ferozes
Razões, à morte crua o persuade.
Ela, com tristes e piedosas vozes,
Saídas só da mágoa e saüdade
Do seu Príncipe e filhos, que deixava,
Que mais que a própria morte a magoava,

Pera o céu cristalino alevantando,
Com lágrimas, os olhos piedosos
(Os olhos, porque as mãos lhe estava atando
Um dos duros ministros rigorosos);
E despois nos mininos atentando,
Que tão queridos tinha e tão mimosos,
Cuja orfindade como mãe temia,
Pera o avô cruel assi dizia:

-Se já nas brutas feras, cuja mente
Natura fez cruel de nascimento,
E nas aves agrestes, que sòmente
Nas rapinas aéreas têm o intento,
Com pequenas crianças viu a gente
Terem tão piadoso sentimento
Como co a mãe de Nino já mostraram,
E os irmãos que Roma edificaram:

Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito
(Se de humano é matar ua donzela,
Fraca e sem força, só por ter subjeito
O coração a quem soube vencê-la),
A estas criancinhas tem respeito,
Pois o não tens à morte escura dela;
Mova-te a piedade sua e minha,
Pois te não move a culpa que não tinha.

(...)

Queria perdoar-lhe o Rei benino,
Movido das palavras que o magoavam;
Mas o pertinaz povo e seu destino
(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.
Arrancam das espadas de aço fino
Os que por bom tal feito ali apregoam.
Contra ua dama, ó peitos carniceiros,
Feros vos amostrais - e cavaleiros?


Luís de Camões, OS LUSÍADAS (canto III, est 124 a 130)


RECUSO-ME A SER BARRIGA DE ALUGUER!!!!!!!!!!!!!


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