sexta-feira, 12 de novembro de 2010

"QUEM DÁ A VIDA MESMO É O HOMEM", DISSE ELE.

O homem é que dá a vida. A mulher só empresta a barriga.
Eis o que se conclui das palavras de um certo senhor. E estamos nós no século XXI!

Ora vejam:

"(...). Isto tem que acabar de vez. Não é porque a natureza disse que a mulher é quem irá gerar um filho em sua barriga que se tirará o direito do homem pelo simples fato de ñão ter sido ele quem a natureza escolheu para esta gestação, alem do mais, porque se tende a achar que porque um filho passa apenas 9 meses na barriga de uma mãe, que por isto todos os outros anos restantes de sua vida pertencerão somente a ela com maior direito ? Isto é injustiça. A mulher prover a gestação, mas uma vez fora do útero, o novo ser não precisa mais daquela "casca" que foi gerada, e nem a criança precisa ser penalizada pelo resto da vida apenas pelo fato de que a natureza é quem quis assim. Outra coisa que poucos talvez não tenham percebido. A mulher prover a gestação e cede o seu óvulo, que apenas contém o seu material genético, mas observem que quem dá a vida mesmo é o homem, pois é o espermatozóide que traz os movimentos. Observem que o óvulo não se mexe. A vida, esta troca de energia contínua que faz algo se mover, quem dar mesmo é só o homem atraves do seu espermatozóide. Este é o meu ponto de vista que deixo aqui e que faço questão de colocá-lo apenas para mostrar que a mulher não tem que se sentir com direito nenhum a mais que o pai, e ponto final. A disputa deverá ser sim, por bons comportamentos e conduta, que isto era o que a justiça deveria ver, e não somente quem pariu e cedeu a barriga apenas por 9 meses, pois já que é assim, a justiça deveria também considerar que quem dar a vida, movimento, mmesmo, é o homem e não amulher, então isto por si só se anulam estes dois fatos equilibrando-sos mutuamente. (...)"


Ora estas palavras vêm corroborar aquilo que Martin Dufresne (MD) disse em entrevista:

(...)
CST: Um dos depoimentos destacados pelos diretores do filme In Nomine Patris é o do deputado europeu Alain Lipietz, no qual ele chama atenção sobre o fato de os movimentos de pais reivindicarem seus DIREITOS sobre os filhos (e não seus DEVERES enquanto progenitores), argumentando que, no limite, trata-se de um regresso à velha condição patriarcal, centrada na noção de que os filhos ao homem pertencem. O que você acha desse argumento?

MD: As reivindicações desse tipo de movimento fazem da criança uma espécie de propriedade do pai, o que nos leva de novo à velha noção fantasmática de que embrião é uma simples extensão do pai colocada no ventre da mulher que se torna sua propriedade. Sim, essa na verdade é uma regressão quanto ao reconhecimento dos direitos das mulheres de controlarem seu próprio corpo, e poder-se-ia falar também do direito das crianças de não serem apropriadas como um bem que pertença a seu genitor. Em lugar da partilha desejada, que seria, em tese, justa, há muitos elementos de regressão essencialista e biologizante no discurso masculinista, elementos que são facilmente banalizados na psicologia popular e numa certa romantização do papel dos pais como figuras de autoridade, muito mais que de partilha eqüitativa.
(...)


Mas será que este senhor (o de cima) tem razão?
Talvez uma aulita de biologia nos venha ilucidar.

Ora cá vai então:

A reprodução é a capacidade de constituir descendência portadora de genes dos progenitores assegurando a renovação continua da espécie e a transmissão da informação genética de geração em geração.

A espécie humana, como a maior parte das espécies que existem no planeta Terra, reproduzem-se sexuadamente. Na reprodução sexuada ocorre a fecundação, com fusão de gâmetas, geralmente provenientes de dois progenitores diferentes, e formação de um ovo. Os descendentes são únicos, geneticamente diferentes entre si e dos progenitores.


Reprodução Humana

Na reprodução humana intervêm órgãos especializados que formam os sistemas reprodutores (feminino e masculino).



Sistema Reprodutor Feminino

O sistema reprodutor feminino é um conjunto de órgãos que asseguram a produção de óvulos e o desenvolvimento de embriões. Tem como funções básicas:

. Génese de gâmetas;

. Transporte dos gâmetas ao local de fecundação;

. Recepção do esperma;

. Desenvolvimento de novos seres.



Sistema Reprodutor Masculino

O sistema reprodutor masculino é constituído por órgãos que asseguram globalmente a produção de espermatozóides. Tem com funções básicas:

. Génese de espermatozóides e seu armazenamento;

. Produção de secreções que, com os espermatozóides, formam o esperma;

. Transporte e libertação de esperma;

. Copulação.

FONTE: http://www.notapositiva.com/pt/apntestbs/biologia/12_reprod_humana_man_fert.htm


Os senhores por acaso já ouviram falar em mitocôndrias? Não?
Pois eu vim a descobrir que as mitocôndrias são essenciais para a vida das células, pois que são elas que geram energia. Herdámo-las da MÃE. Muito raramente provêm do pai, sendo que mesmo nesses casos, prevalecem as mitocôndrias maternas.

Na generalidade, as paternas são eliminadas logo após a fecundação. Do espermatozóide apenas fica o seu núcleo. A mãe, para além do núcleo, fornece tudo o resto.

Na fusão de ambos os gâmetas, o masculino e o feminino, só lá ficam, portanto, as mitocôndrias maternas, o que faz com que tenhamos mais material genético provindo da mãe. Isso explica o facto de se ter encontrado a primeira mulher da raça humana, mãe de todos nós. E é por isso que cada um de nós deve, na busca pelo seu passado, seguir principalmente o rasto materno.

Quer isto dizer que o espermatozóide, uma das mais pequeninas células do corpo humano depende das mitocôndrias (que herdou da mãe) para viver e para se movimentar. Assim me parece.

Por seu turno, o óvulo, a maior célula do corpo humano, também contém em si mitocôndrias. E são elas que vão, de facto, garantir a vida da nova célula que se gera após a fecundação. O pai apenas transmite o seu material genético, que se irá juntar ao material genético da mãe.

Parece que as minhas conclusões não estão erradas!
Ora vejamos:

BIOLOGIA

QUESTÃO 1

OS ESPERMATOZÓIDES ESTÃO ENTRE AS CÉLULAS HUMANAS QUE POSSUEM MAIOR NÚMERO DE MITOCÔNDRIAS.

A) COMO SE EXPLICA A PRESENÇA DO ALTO NÚMERO DESSAS ORGANELAS NO ESPERMATOZÓIDE?

B) EXPLIQUE POR QUE, MESMO HAVENDO TANTAS MITOCÔNDRIAS NO ESPERMATOZÓIDE, DIZEMOS QUE A HERANÇA MITOCONDRIAL É MATERNA.

RESPOSTA:

A) A GRANDE QUANTIDADE DE MITOCÔNDRIAS TEM A FINALIDADE DE SUPRIR O ESPERMATOZÓIDE DA ENERGIA NECESSÁRIA PARA OS BATIMENTOS DO FLAGELO. É ATRAVÉS DOS MOVIMENTOS DO FLAGELO QUE O ESPERMATOZÓIDE SE LOCOMOVE.

B) A HERANÇA MITOCONDRIAL É MATERNA PORQUE APENAS AS MITOCÔNDRIAS PRESENTES NO ÓVULO FARÃO PARTE DA CONSTITUIÇÃO ESTRUTURAL DO ZIGOTO.
AS MITOCÔNDRIAS DO ESPERMATOZÓIDE ESTÃO LOCALIZADAS NA SUA PEÇA INTERMEDIÁRIA. DURANTE O PROCESSO DE FECUNDAÇÃO APENAS O NÚCLEO DO ESPERMATOZÓIDE PENETRA O ÓVULO.

FONTE: http://www.etapa.com.br/gabaritos/resolucao_pdf/gab_2004/01_unifesp/prova3/unifesp2004ce-b.pdf

Ora cá está: o espermatozóide não é nada sem as mitocôndrias, fonte de energia. Por seu turno, o óvulo também tem essas tais mitocôndrias.

Como as mitocôndrias do espermatozóide se perdem logo após a "fecundação", são as mitocôndrias do óvulo as responsáveis por garantir a vida dessa nova célula formada pela fusão dos núcleos de um (espermatozóide) e do outro (óvulo).

Logo, é de facto a mulher que garante e que dá a vida.
Sem quaisquer dúvidas.

Não esquecendo que as mitocôndrias vêm carregadas de material genético (o ADN mitocondrial).
Como as mitocôndrias do pai se perderam (quase garantidamente), temos nas mitocôndrias apenas o material genético da mãe.

Daí ser tão fácil identificar a primeira Eva (haveria outras mulheres no seu tempo, e mesmo antes, mas só o material genético dessa mulher chegou até nós).



Mas o trabalho da mulher não acaba aqui.

O corpo feminino segrega uma substância química (talvez as mitocôndrias, geradoras de energia,e presentes em todas as células do nosso corpo, sejam de novo responsáveis) que irá orientar os espermatozóides no seu árduo percurso.

Sem isso, e sem os batimentos da sua cauda -são as mitocôndrias que lhes dão energia para se moverem, relembro, e essas foram herdadas da mãe- os espermatozóides não chegavam lá.

Na verdade, essa substância age mais como um magnético, atraindo os espermatozóides para o óvulo.

Daí, talvez, esta piada:

Estrela - DestaquesPor que são necessários milhões de espermatozóides para fertilizar um único óvulo?
Porque os espermatozóides são masculinos e se negam a perguntar o caminho.






Frases e Mensagens - Frases Feministas




Para além disso, é a mulher que "escolhe" os espermatozóides que irão fertilizar o seu óvulo.

Significa isto que, apesar de ser o homem a determinar o sexo da criança, na verdade é a mullher quem tem 100% do contrôle.

Daí a razão (uma delas, se não a principal) de um casal só ter meninas, ou só ter meninos. Ou mesmo de ter um menino, e depois uma menina, ou vice-versa.

Foi o homem que assim quis?
Ou foi a mulher que, mesmo inconscientemente, assim decidiu?

Veja-se, por exemplo, o caso de Luis Figo e de David Bechkam: o primeiro é pai de três raparigas, o segundo de três rapazes.

Das suas uma: ou os espermatozódes XY (no caso de Luis Figo)e os XX (no caso de David Bechkam) não tiveram força para marcar, ou isto é obra das respectivas senhoras. A ver como se saem da próxima.


Portanto, quando o homem pensa que tem o contrôle da situação, na verdade é a mulher quem controla.

O que põe por terra certas expressões muito masculinas, tais como "eu comi a gaja!", já que foi o contrário.



Mas porque razão ainda prevalece a ideia de que é o homem que faz e que na mulher acontece?

Talvez por ainda prevalecerem termos como "fecundar" e "fertilizar" (que são de origem latina, e, portanto, prova de que vivia-se, então, numa sociedade patriarcal, em que se acreditava que o homem gerava um prolongamento de si na mulher, sendo dono e senhor quer desta quer da prole) e símbolos como seta para cima e cruz para baixo, que conferem ao homem um papel activo, de verdadeiro actor.

Ou pelo menos passam essa ideia, pois que ainda perdura essa crença e essa mesma atitude.

Eles, os homens, são a potência.
Eles fazem acontecer.

E nós, mulheres, meras barrigas de aluguer.
E pronto, acontece.

Ora, bem vistas as coisas, a autoria é de ambos.
Mas a mulher tem, indubitavelmente, maior participação.
Haja quem o negue.


Nove meses de gestação não são "apenas" nove meses.
SÃO NOVE MESES!

E ainda que, depois de nascer, o filho não mais precise da "casca", ele precisa, mais do que nunca, da mãe.






Entretanto, encontrei este texto muito interessante. Só lamento a tradução...


O ÓVULO E O ESPERMA: COMO A CIÊNCIA CONSTRUIU UM ROMANCE BASEADO EM PAPÉIS ESTEREOTÍPICOS MACHO - FÊMEA
Reprodução livre, em Português Brasileiro, do texto original de Emily Martin para fins de estudo, sem vantagens pecuniárias envolvidas.
Todos os direitos preservados.

Free reproduction, in Brazilian Portuguese, of Emily Martin’s original text for study purposes.
No pecuniary advantagens involved. Copyrights preserved.

Emily Martin
(tradução de Fernando Manso)
Publicação original
Martin, Emily. “The Egg and the Sperm: How Science has Constructed a Romance based on Stereotypical Male-Female Roles”.
In: KELLER, Evelyn F., e LONGINO, Helen E. (eds.). Feminism and Science. New York: Oxford University Press, 1996, p. 103-20.

A teoria do corpo humano é sempre uma parte de uma visão de mundo. A teoria do corpo humano é sempre uma parte de uma fantasia.
[James Hillmam, O mito da Análise]
Como uma antropóloga, eu me interesso pela possibilidade que a cultura molde a forma pela qual os cientistas biólogos descrevem o que eles descobrem sobre o mundo natural. Se isso for verdade, então estaremos aprendendo mais do que o mundo natural nas aulas de biologia; estaremos aprendendo sobre crenças e práticas culturais como se elas fossem parte da natureza. No curso de minha pesquisa eu verifiquei que as figuras do óvulo e do esperma desenhados nos relatos populares e científicos da biologia reprodutiva se baseia em estereótipos centrais a nossa definição cultural de macho e fêmea. Os estereótipos implicam não apenas que os processos biológicos femininos valem menos que seu correspondente masculino, mas também que as mulheres valem menos que os homens. Parte do meu objetivo em escrever este artigo é lançar uma luz nos estereótipos de gênero escondidos dentro da linguagem científica da biologia. Expostos de tal forma, eu espero que eles venham a perder muito de seu poder de nos prejudicar.

O óvulo e o esperma: Um conto de fadas científico
Num nível fundamental, todos os principais livros textos científicos descrevem os órgãos reprodutores masculino e feminino como sistemas para a produção de substâncias valiosas, tais como óvulos e esperma. No caso da mulher, o ciclo mensal é descrito como sendo projetado para produzir óvulos e preparar um local adequado para eles serem fertilizados e crescerem – tudo com a finalidade de fazer bebês. Mas o entusiasmo termina aí. Exaltando o ciclo feminino como um empreendimento produtivo, a menstruação passa a ser vista, necessariamente, como uma falha. Os textos médicos descrevem a menstruação como a “ruína” do forro uterino, o resultado de necrose, ou morte de tecido. A descrição implica que um sistema funcionou mal, fazendo produtos inúteis, fora da especificação, invendáveis, desperdiçados, sucata. Uma ilustração em um testo médico largamente utilizado mostra a menstruação como uma desintegração caótica de forma, complementando os muitos textos que a descrevem como “interrupção”, “morte”, “perda”, “privação”, “expulsão”.

A fisiologia reprodutiva masculina é avaliada de forma bem diferente. Um dos textos que vê menstruação como uma produção falha emprega um tipo de prosa apologética quando descreve a maturação do esperma: “Os mecanismos que guiam a extraordinária transformação celular do ‘spermatid’ em esperma maduro permanece incerta ... Talvez a mais fantástica característica da espermatogênese é sua enorme magnitude: o homem normal pode produzir várias centenas de milhões de espermas por dia”. No texto clássico Medical Physiology, editado por Vernon Mountcastle, a comparação macho/fêmea, produtivo/destrutivo é mais explícita: “Enquanto a fêmea verte apenas um único gameta a cada mês, os túbulos seminíferos produzem centenas de milhões de espermas a cada dia”. A autora feminina de outro texto se deslumbra com o comprimento dos microscópicos túbulos seminíferos, os quais, se desenrolados e esticados “cobririam quase um terço de uma milha!” Ela escreve, “Num adulto macho estas estruturas produzem milhões de espermas a cada dia.” Mais adiante ela pergunta, “Como este feito é conseguido?” Nenhum desses textos expressam entusiasmo tão intenso por qualquer dos processos femininos. Certamente, não é acidente que o “extraordinário” processo de fazer esperma envolve precisamente aquilo que, na visão médica, a menstruação não faz: produção de alguma coisa considerada valiosa.

Poderia ser argumentado que a menstruação e a espermatogênese não são processos análogos e, portanto, não deveria ser esperado que elas provocassem o mesmo tipo de resposta. A analogia feminina própria com a espermatogênese, biologicamente, é a ovulação. Mas a ovulação também não merece o entusiasmo nesses textos. As descrições nos livros textos enfatizam que os folículos ovarianos que contêm o gameta feminino já estão presentes no nascimento. Longe de serem produzidos, como são os espermas, eles meramente aguardam, degenerando lentamente e envelhecendo como um estoque: “No nascimento, os ovários humanos normais contêm um número estimado de um milhão de folículos (cada um), e nenhum novo folículo aparece após o nascimento. Assim em contraste acentuado com o macho, a fêmea recém nascida já tem todas as suas células germinativas. Apenas umas poucas, talvez 400, estão destinadas a atingir plena maturidade, durante sua vida produtiva ativa. Todas as outras se degeneram em algum ponto durante seu desenvolvimento, de tal forma que poucas, se alguma, permanecem ao tempo em que ela atinge a menopausa numa idade de aproximadamente 50 anos”. Note-se o “contraste acentuado” que esta descrição estabelece entre macho e fêmea: o macho, que produz continuamente células germinativas novas, e a fêmea, que estocou ao nascer células germinativas e se depara com a sua degeneração.

Nem são os órgãos femininos poupados de descrições mais intensas. Um cientista escreveu em um artigo de jornal que os ovários de uma mulher se tornam velhos e gastos pelo amadurecimento dos óvulos a cada mês, mesmo que a mulher seja ainda relativamente jovem: “Quando você olha através de um laparoscópio ... num ovário que tenha passado por centenas de ciclos, mesmo em uma fêmea americana extremamente saudável, você vê um órgão marcado e batido”

Para evitar a conotação negativa que algumas pessoas associam ao sistema reprodutor feminino, os cientistas poderiam começar a descrever os processos masculino e feminino como homólogos. Eles poderiam creditar às fêmeas a “produção” de gametas maduros um a cada vez, uma vez que eles são necessários cada mês, e descrever os machos como tendo de encarar problemas de degeneração de células germinativas. Esta degeneração ocorreria ao longo de toda a vida entre os espermatogônios, que são as células germinativas indiferenciadas nos testículos que são as duradouras e inativas precursoras do esperma.

Mas os textos tem uma insistência quase tenaz em expressar os processos femininos numa luz negativa. Os textos celebram a produção de esperma porque ele é contínuo da puberdade à velhice, enquanto eles retratam a produção de óvulos como inferior porque ela está terminada no nascimento. Isto faz a fêmea parecer improdutiva, mas alguns textos também insistem que é ela que é desperdiçadora. Num título de seção do Molecular Biology of the cell, um texto muito lido, está escrito que “A oogênese é desperdiçadora”. O texto enfatiza que de sete milhões de oogônios, ou células germinadoras do óvulo, no embrião feminino, a maioria degenera no ovário. Daquelas que sobrevivem e se tornam oócitos, ou óvulos, muitas também degeneram, de tal forma que no nascimento apenas dois milhões de óvulos permanecem no ovário. A degeneração continua ao longo de toda a vida da mulher: na puberdade permanecem 300.000 óvulos, e apenas alguns poucos estão presentes na menopausa. “durante os quarenta e poucos anos da vida reprodutiva da mulher, apenas 400 ou 500 óvulos serão liberados”, os autores escrevem. “Todo o resto terá degenerado. É ainda um mistério por que tantos óvulos são formados apenas para morrer nos ovários.”

O mistério real é por que a vasta produção de esperma masculina não é vista como um desperdício. Assumindo que um homem produza 100 milhões (108) de espermas por dia (uma estimativa conservadora) durante uma vida reprodutiva média de sessenta anos, ele produziria mais que dois trilhões de espermas em sua vida. Assumindo que um mulher “amadurece” um óvulo por mês lunar, ou treze por ano, ao longo do curso de sua vida reprodutiva de quarenta anos, ela totalizaria cinco centenas de óvulos em sua vida. Mas a palavra desperdício implica um excesso, produção em demasia. Assumindo dois ou três filhos, para cada bebê que uma mulher produz, ela desperdiça apenas por volta de 200 óvulos. Para cada bebê que um homem produz, ele desperdiça mais de um trilhão de espermas.

Como é que imagens positivas são negadas aos corpos das mulheres? Uma olhada na linguagem, neste caso a linguagem científica, fornece a primeira pista. Considere o óvulo e o esperma. É extraordinário como o óvulo se comporta “femininamente” e o esperma se comporta “masculinamente”. O óvulo é visto como grande e passivo. Ele não se move, nem viaja, mas passivamente “é transportado”, “é arrastado”, ou “desliza” pelo tubo falopiano. Em completo contraste, o esperma é pequeno, “dinâmico”, e invariavelmente ativo. Eles “entregam” seus genes ao óvulo, “ativam o programa de desenvolvimento do óvulo”, e têm uma velocidade que é freqüentemente assinalada. Suas caudas são “fortes” e eficientemente dotadas de potência. Junto com as forças da ejaculação eles podem propelir o sêmen nos mais profundos recessos da vagina. Para isso eles precisam de “energia”, “combustível”, de tal forma que com um “movimento como o de um chicote e fortes sacudidelas” eles podem furar a superfície do óvulo e penetrá-lo.

No seu extremo, o velho relacionamento entre o óvulo e o esperma assumem uma aura real ou religiosa. A superfície do óvulo, sua cobertura protetora, é algumas vezes chamada de seus “paramentos”, um termo usualmente reservado para vestimentas sagradas e religiosas. Diz-se que o óvulo tem uma “coroa” e é acompanhado de “células servidoras”. Ele é sagrado, posto de lado e acima, a rainha para o rei do esperma. O óvulo é também passivo, o que significa que ele depende do esperma para ser salvo. Gerald Schatten e Helen Schatten comparam o papel do óvulo ao da Bela Adormecida: “uma noiva adormecida aguardando o beijo mágico de seu companheiro”. O esperma, ao contrário tem uma “missão”, que é “se mover através do trato genital feminino em busca do óvulo”. Um relato popular diz que o esperma executa uma “jornada arriscada” na “escuridão ardente” onde alguns tombam “exaustos”. “Os sobreviventes” “assaltam” o óvulo, os candidatos bem sucedidos “cercando o prêmio”. Parte da urgência dessa jornada, em termos mais científicos, é devida ao fato que “uma vez liberto do ambiente protetor do ovário, um óvulo morrerá dentro de horas a menos que seja salvo por um esperma. As palavras enfatizam a fragilidade e a dependência do óvulo, muito embora o mesmo texto assinala em outra parte que o esperma também vive apenas umas poucas horas.

Em 1948, num livro extraordinário pelas suas primeiras percepções desses assuntos, Ruth Herschberger argumentou que os órgãos reprodutores femininos são vistos como biologicamente interdependentes, enquanto os órgãos masculinos são vistos como autônomos, operando independentemente e isolados:

No presente a funcionalidade é enfatizada apenas em conexão com as mulheres: é nelas que ovários, tubos, útero, e vagina têm interdependências intermináveis. No macho, a reprodução parece envolver apenas “órgãos”.

No entanto o esperma, tanto quanto o óvulo, é dependente de muitos processos relacionados. Há secreções que aliviam a urina na uretra antes da ejaculação, para proteger o esperma. Há o reflexo fechando a conexão com a bexiga, a provisão de secreções prostáticas, e vários tipos de propulsão muscular. O esperma não é mais independente do seu meio do que o óvulo, e no entanto por uma espécie de desejo, os biólogos suportam a noção de que a fêmea, a começar pelo óvulo, é congenitamente mais dependente do que o macho.

Trazendo um outro aspecto da autonomia do esperma, um artigo no periódico Cell tem o esperma tomando uma “decisão existencial” para penetrar no óvulo: “espermas são células com um repertório comportamental limitado, que é direcionado no sentido de fertilizar óvulos. Para executar a decisão de abandonar seu estado haplóide, o esperma nada para um óvulo e lá ele adquire a sua capacidade de efetuar a fusão de membrana”. Não é esta uma versão de um gerente corporativo das atividades do esperma – “executar decisões” angustiado pelas difíceis opções que envolvem altos riscos?

Há uma outra forma pela qual o esperma, apesar do seu pequeno tamanho, pode ser levado a crescer em importância com relação aos óvulos. Numa coleção de artigos científicos, uma micrografia eletrônica de um enorme óvulo e um minúsculo esperma é intitulada “Um Retrato do Esperma”. Isto é um pouco como mostrar a foto de um cachorro e chamá-la de um quadro das pulgas. Admite-se que o esperma microscópico é mais difícil de fotografar do que os óvulos, os quais são suficientemente grandes para serem vistos a olho nu. Mas certamente o uso do termo “retrato”, uma palavra associada com o poderoso e o saudável, é significante. Óvulos têm apenas micrografias ou quadros, não retratos.

Uma descrição do esperma como fraco e tímido, em vez de forte e poderoso – a única tal representação na civilização ocidental até onde eu sei – ocorre no filme de Woody Allen Tudo que você queria saber sobre saber sobre sexo mas teve medo de perguntar. Allen, fazendo o papel de um esperma apreensivo dentro dos testículos de um homem, está assustado com o orgasmo que se aproxima. Ele está relutante em se lançar no escuro, com medo dos dispositivos contraceptivos, com medo de ir parar no teto se o homem se masturba.

O quadro mais comum – o óvulo como uma jovem angustiada, protegida apenas pelas suas vestimentas sagradas; o esperma como um heróico guerreiro pronto a salvá-la – não pode ser provado que seja ditado pela biologia desses eventos. Mesmo que os “fatos” da biologia podem não ser sempre construídos em termos culturais, neste caso eu argumentaria que são. O grau de conteúdo metafórico nessas descrições, a extensão até a qual as diferenças entre o óvulo e o esperma são enfatizadas, e os paralelos entre os estereótipos culturais dos comportamentos do macho e da fêmea e o caráter do óvulo e do esperma, tudo aponta para essa conclusão.

Novas pesquisas, velhas imagens
Na medida em que novos entendimentos do óvulo e do esperma emergem, as imagens de gênero nos livros textos são revisadas. Mas as novas pesquisas, longe de escapar da representações estereotípicas do óvulo e do esperma, simplesmente replicam elementos das imagens de gênero nos livros textos numa forma diferente. A persistência dessas imagens faz lembrar daquilo que Ludwik Fleck chamou de natureza “autocontida” do pensamento científico. Segundo ele a descreve, “a interação entre o que já é sabido, o que permanece a ser aprendido, e aqueles que vão apreender, assegura harmonia dentro do sistema. Mas ao mesmo tempo eles também preservam a harmonia das ilusões, a qual é bastante segura dentro dos limites de um dado estilo de pensamento”. Nós precisamos entender a forma pela qual o conteúdo cultural em descrições científicas muda na medida em que as descobertas biológicas se desdobram, e se o conteúdo cultural está solidamente entrelaçado, ou se é facilmente alterado.

Em todos os textos referidos acima, o esperma é descrito como o que penetra no óvulo, e substâncias específicas ha cabeça do esperma são descritas como as que se ligam ao óvulo. Recentemente, esta descrição de eventos foi revista em um laboratório de biofísica na Universidade Johns Hopkins – transformando o óvulo de parte passiva para ativa.

Anteriormente a essa pesquisa, pensava-se que a zona, os paramentos internos do óvulo, formavam uma barreira impenetrável. O esperma vencia a barreira furando-a mecanicamente, batendo sua cauda e progredindo lentamente. Pesquisas posteriores mostraram que o esperma liberava enzimas digestivas que quebravam quimicamente a zona; assim os cientistas presumiam que o esperma usava meios mecânicos e químicos para entrar no óvulo.

Nesta recente investigação, os pesquisadores começaram a fazer perguntas sobre a força mecânica da cauda do esperma. (O objetivo do laboratório era desenvolver um contraceptivo que trabalhasse topicamente no esperma.) Eles descobriram, para sua grande surpresa, que a força do esperma para a frente é extremamente fraca, o que contradiz o pressuposto de que os espermas são penetradores vigorosos. Em vez de fazer força para a frente, a cabeça do esperma era agora vista se mover, a maior parte do tempo, para a frente e para trás. Os movimentos laterais da cauda do esperma faz a cabeça se mover lateralmente com uma força que é dez vezes mais forte do que seu movimento para a frente. Portanto, mesmo se a força total do esperma fosse suficiente para quebrar mecanicamente a zona, a maior parte de sua forças seria dirigida para os lados e não para a frente. Na verdade, sua tendência mais forte, dez vezes maior, é escapar tentando se libertar do óvulo. Os espermas, então, têm de ser excepcionalmente eficientes para escapar de qualquer superfície celular que eles encostem. E a superfície do óvulo precisa ser projetada para apanhar o esperma e evitar que ele escape. Caso contrário, poucos, ou mesmo nenhum, esperma alcançaria o óvulo.

Os pesquisadores da Johns Hopkins concluíram que o esperma e o óvulo se ligam por conta de moléculas adesivas que há na superfície de cada um deles. O óvulo agarra o esperma e adere a ele tão apertadamente que a cabeça do esperma é forçada a se recostar sobre a superfície da zona, um pouco como, eles me disseram, “o Coelho Br’ er ficando cada vez mais preso ao (tar baby) quanto mais se mexa”. O esperma agarrado continua a se mexer lateralmente, mas sem efeito. A força mecânica da sua cauda é tão fraca que o esperma não pode quebrar nem mesmo uma ligação química. Isto é onde os enzimas digestivos liberados pelo esperma entram em ação. Se eles começam a amolecer a zona exatamente na ponta do esperma e os lados permanecem presos, então o fraco e agitante esperma consegue se orientar na direção certa e consegue atravessar a zona – desde que suas ligações com a zona se dissolvam na medida em que ele se move.

Embora essa nova versão da saga do óvulo e do esperma fosse contra as expectativas culturais, os pesquisadores que fizeram a descoberta continuaram a escrever artigos e resumos como se o esperma fosse a parte ativa que ataca, liga, penetra, e adentra o óvulo. A única diferença era que agora o esperma era visto como se executasse essas ações fracamente. Só em agosto de 1987, mais de três anos após os achados acima descritos, que estes pesquisadores reconceituaram o processo dando ao óvulo um papel mais ativo. Eles começaram a descrever a zona como uma apanhadora agressiva de espermas, coberta com moléculas adesivas que podem capturar um esperma com uma simples ligação e mantê-lo preso na superfície da zona. Nas palavras de seu relato publicado: “O paramento mais interno, a zona pelúcida, é uma capa de glicoproteína, que captura o esperma e o prende antes que ele a penetre ... O esperma é capturado no contato inicial entre sua ponta e a zona ... Uma vez que a força (do esperma) é muito menor que a força necessária para romper uma simples ligação de afinidade, a primeira ligação feita sobre a ponta – primeiro encontro do esperma e a zona – pode resultar na captura do esperma.

Experimentos em um outro laboratório revelaram padrões similares de interpretação de dados. Gerrald Schatten e Helen Schatten mostraram que, contrariamente a sabedoria convencional, “o óvulo não é meramente uma esfera grande cheia de gema a qual o esperma fura para produzir uma nova vida. Ao contrário, pesquisa recente sugere a visão quase herética de que o esperma e o óvulo são parceiros mutuamente ativos.” Isto soa como um afastamento da visão estereotípica dos livros textos, mas lendo um pouco mais revela-se a conformidade dos Schatten com a metáfora do esperma agressivo. Eles descrevem como se dá o encontro do esperma e do óvulo: “é quando da ponta da cabeça triangular do esperma um filamento longo e fino é disparado e arpeia o óvulo”. Ficamos então sabendo que “extraordinariamente, o arpão é não somente disparado mas montado a grande velocidade, molécula por molécula, a partir de uma reserva de proteína armazenadas numa região especializada chamada acrossomo. O filamento pode crescer até 20 vezes maior que a cabeça do esperma até que sua ponta alcance e se fixe no óvulo.” Por que não chamar isso de “construir uma ponte” ou “atirar uma linha” em vez de atirar um arpão? Arpões perfuram as presas e ferem-nas ou matam-nas, enquanto este filamento apenas gruda. E por que não focar, como fez o laboratório Hopkins, no poder grudante do óvulo em vez do poder grudante do esperma? Mais adiante no artigo. Os Schattens replicam a visão da jornada perigosa do esperma pelo escuro ardente da vagina, desta vez com o objetivo de explicar sua jornada dentro do óvulo: “(o esperma) ainda tem uma árdua jornada pela frente. Ele tem de penetrar além dentro da enorme esfera do óvulo de citoplasma e de alguma forma localizar o núcleo, de forma a que os cromossomas das duas células possam de fundir. O esperma mergulha no citoplasma, sua cauda bate. Mas é logo interrompido pela súbita e rápida migração do núcleo do óvulo, que corre na direção do esperma com uma velocidade três vezes maior do que a do movimento dos cromossomas durante a divisão celular, atravessando todo o óvulo em cerca de um minuto”.

Assim como os Schatten e o biofísico da John Hopkins, outro pesquisador fez descobertas recentes que parecem apontar para uma visão mais interativa da relação entre o óvulo e o esperma. Este trabalho, que Paul Wassarman conduziu sobre espermas e óvulos de ratos, foca na identificação de moléculas específicas na cobertura do óvulo (a zona pelúcida) que são envolvidas na interação óvulo esperma. A primeira vista, suas descrições parecem se adequar ao modelo de um relacionamento igualitário. Gametas machos e fêmeos “se reconhecem” e “interações ... ocorrem entre o esperma e o óvulo.” Mas o artigo na Scientific American no qual essas descrições aparecem começa com uma vinheta que pressagia o tema principal de sua apresentação: “Há mais de um século desde que Hermann Fol, um zoólogo suíço, olhando fixamente em seu microscópio, tornou-se a primeira pessoa a ver um esperma penetrar um óvulo, fertilizá-lo e formar a primeira célula do novo embrião”. Este retrato do esperma como a parte ativa – aquele que penetra e fertiliza o óvulo e produz o primeiro embrião – não é citado como exemplo de uma visão anterior e ultrapassada. Ao contrário, o autor reitera o ponto mais adiante no artigo: “Muitos espermas podem se ligar e penetrar a zona pelúcida, ou cobertura externa, de um óvulo de rata infertilizado, mas apenas um esperma se unirá com a fina membrana de plasma que envolve o óvulo propriamente (a esfera interior), fertilizando o óvulo e produzindo um novo embrião.”

As imagens do esperma como agressor são particularmente surpreendentes neste caso: a principal descoberta sendo reportada é o isolamento de uma molécula particular na cobertura do óvulo que cumpre um papel importante na fertilização! A escolha de linguagem de Wassarman sustenta o quadro. Ele chama a molécula que foi isolada de ZP3, um “receptor de esperma”. Assim atribuindo ao óvulo o papel passivo, do que espera, Wassarman pode continuar a descrever o esperma como o ator, aquele que faz tudo acontecer: “O processo básico começa quando muitos espermas primeiro atacam livremente e então se ligam tenazmente aos receptores na superfície na espessa cobertura externa do óvulo, a zona pelúcida. Cada esperma, que tem em sua superfície um grande número de proteínas ligantes ao óvulo, se liga a muitos receptores de esperma no óvulo. Mais especificamente, um lugar em cada uma das proteínas ligantes se encaixa num lugar complementar no receptor do esperma, assim como uma chave se encaixa numa fechadura.” Com o esperma designado como a “chave” e o óvulo como a “fechadura”, é óbvio que um age e o outro sofre a ação. Não poderiam essas imagens serem invertidas, deixando o esperma (a fechadura) esperar até que o óvulo produza a chave? Ou poderíamos falar de duas metades de um encontro de encaixe, e apreciar o encontro em si como a ação que inicia a fertilização?

É como se Wassarman estivesse determinado a fazer do óvulo o parceiro receptor. Usualmente, em pesquisa biológica, as proteínas membros do par de moléculas ligantes são chamadas de receptoras, e fisicamente elas têm um bolso que se parece com uma fechadura. Como mostra o diagrama que ilustra o artigo de Wassarman, as moléculas no esperma são proteínas e têm “bolsos”. As moléculas pequenas e móveis que se encaixam nesses bolsos são chamadas “ligands”. Conforme mostrado no diagrama, ZP3 no óvulo é um polímero de “chaves”; muitas pequenas maçanetas se projetam para fora. Tipicamente, as moléculas do esperma seriam chamadas receptoras, e as moléculas do óvulo seriam chamadas “ligands”. Mas Wassarman escolheu denominar ZP3 no óvulo receptor, e criar um novo termo, “a proteína ligante ao óvulo”, para a molécula do esperma a qual, de outra forma teria sido chamada a receptora.

Wassarman credita à cobertura do óvulo mais funções do que as de um receptor de esperma. Ao mesmo tempo em que ele observa que “a zona pelúcida tem sido vista por vezes por investigadores como uma obstrução, uma barreira para o esperma e assim um impedimento a fertilização”, sua nova pesquisa revela que a cobertura do óvulo “serve como um sofisticado sistema de segurança biológica que examina os espermas que chegam, seleciona apenas aqueles compatíveis com a fertilização e desenvolvimento, prepara o esperma para a fusão com o óvulo e mais tarde protege o embrião resultante da poliespermatização (uma condição letal causada pela fusão de mais que um esperma com um único óvulo)”. Embora esta descrição dê ao óvulo um papel ativo, este papel é reduzido em termos estereotipicamente femininos. O óvulo seleciona um companheiro apropriado, prepara-o para a fusão, e então protege o filho resultante do perigo. Isto é cortejo e comportamento de uma companheira segundo os olhos de um sociobiólogo: mulher como o prêmio difícil de ser obtido, a qual em seguida a união com o escolhido, se torna mulher como servidora e mãe.

E Wassarman não para aí. Num artigo de revisão para a Science, ele resume a “cronologia da fertilização”. Próximo do final do artigo há dois títulos de seção. O primeiro é “A Penetração do Esperma”, sob o qual Wassarman descreve como a química dissolvente da zona pelúcida combina com a “substancial força propulsiva gerada pelo esperma”. O segundo título é “A Fusão Esperma – Óvulo”. Esta seção descreve o que acontece dentro da zona após o esperma “penetrá-la”. O esperma pode fazer contato, aderir, e fundir (ou seja, fertilizar) o óvulo”. A escolha de palavras de Wassarman, novamente, é surpreendentemente favorável a atividade do esperma, pois no próximo pronunciamento ele diz que o esperma perde toda a mobilidade após a fusão com a superfície do óvulo. Nos óvulos dos ratos e ouriços do mar, o esperma entra na volição do óvulo, de acordo com a descrição de Wassarman: “Uma vez fundido com a membrana do plasma do óvulo (a superfície do óvulo), como um esperma adentra o óvulo? A superfície dos óvulos tanto das ratas como dos ouriços marinhos é coberta com milhares de projeções do plasma ligadas a membrana, chamadas microvilli (minúsculos cabelos). Evidência nos ouriços do mar sugere que, após a fusão da membrana, um grupo de microvilli alongadas se agrupam apertadamente e se entrelaçam com a cabeça do esperma. Na medida em que as microvilli são sugadas, o esperma é levado para dentro do óvulo. Portanto, a mobilidade do esperma, que cessa no momento da fusão tanto na rata como no ouriço do mar, não é requerida para a entrada do esperma”. A seção chamada “A penetração do esperma” seria seguida, mais logicamente, por uma seção chamada “O óvulo envelopa” do que “A fusão esperma óvulo”. Isto daria um sentido paralelo – e mais preciso – de que tanto o óvulo quanto o esperma iniciam a ação.

Uma outra forma pela qual Wasserman reduz a atividade do óvulo é pela descrição de componentes do óvulo enquanto se refere ao esperma como uma entidade inteira. Deborah Gordon descreveu tal abordagem como “atomismo” (“a parte é independente e primordial para o todo”) e a identificou como um dos “pressupostos persistentes” da ciência e medicina ocidentais. Wassarman emprega o atomismo em seu favor. Quando ele refere a processos que ocorrem dentro do esperma, ele consistentemente retorna a descrições que nos lembram de onde essas atividades vem: elas são parte do esperma que penetra um óvulo ou gera força propulsiva. Quando ele refere a processos que ocorrem dentro do óvulo, ele para aí. Como resultado, qualquer papel ativo que ele lhes atribui parece ser atribuído a partes do óvulo, e não ao óvulo em si. Na citação acima, é o microvilli que ativamente se agrupa em torno do esperma. Num outro exemplo, “a força propulsora da absorção de um esperma fundido vem de uma região do citoplasma imediatamente abaixo de uma membrana do plasma do óvulo”

Implicações sociais: Pensando além
Todos esses três relatos revisionistas do óvulo e esperma parecem não poder escapar das imagens hierárquicas dos relatos antigos. Muito embora cada novo relato dê ao óvulo um papel maior e mais ativo, apreciados juntos eles trazem a cena um outro estereótipo cultural: a mulher como uma ameaça perigosa e agressiva. No modelo revisado do laboratório John Hopkins, o óvulo termina como a fêmea agressora que “captura e prende” o esperma com sua zona aderente, assim como uma aranha aguarda em sua teia. O laboratório dos Schatten dispõe que o núcleo do óvulo “interrompe” o mergulho do esperma com uma corrida “súbita e rápida” pela qual ele segura o esperma e guia seu núcleo para o centro. A descrição de Wassarman da superfície do óvulo “coberto por milhares de projeções do plasma ligadas a membrana, chamadas micvrovilli” que alcança e segura o esperma endossa as imagens do tipo aranha.

Essa imagens atribuem ao óvulo um papel ativo, mas ao custo de parecerem indevidamente agressivos. Imagens de mulher como perigosas e agressivas, a fêmea fatal que vitima os homens, são largamente difundidas na literatura ocidental. Mais específica é a conexão das imagens de aranha com a idéia de mãe absorvente e devoradora. Novos dados não levaram os cientistas a eliminar os estereótipos de gênero de suas descrições do óvulo e do esperma. Ao contrário, os cientistas simplesmente começaram a descrever o óvulo e o esperma em termos diferentes, mas não menos danosos.

Podemos pensar numa visão menos estereotípica? A própria biologia fornece um outro modelo que poderia ser aplicado ao óvulo e ao esperma. O modelo cibernético, com seus ciclos de realimentação, adaptação flexível a mudança, coordenação das partes dentro do todo, evolução no tempo, respostas mutáveis ao ambiente – é comum em genética, endocrinologia, e ecologia e tem uma influência crescente na medicina em geral. Este modelo tem o potencial de deslocar nossas imagens do negativo, onde o sistema reprodutivo feminino é castigado tanto por não produzir óvulos após o nascimento e por produzir (e assim desperdiçar) ovos em demasia, para algo mais positivo. O sistema reprodutivo feminino poderia ser visto como respondendo ao ambiente (gravidez ou menopausa), ajustando às mudanças mensais (menstruação), e se alterando flexivelmente de reprodutor após a puberdade a não reprodutor mais tarde na vida. As interações entre o esperma e o óvulo poderiam também ser descritas em termos cibernéticos. A pesquisa de J. F. Hartman em biologia reprodutiva demonstrou quinze anos atrás que se um óvulo é morto por ser espetado com uma agulha, o esperma vivo não pode atravessar a zona. Claramente, esta evidência mostra que o óvulo e o esperma interagem em termos mais mútuos, tornando inconveniente a recusa da biologia em retratá-los dessa forma.

Faríamos bem em estarmos conscientes, no entanto, que as imagens cibernéticas não são neutras. No passado, modelos cibernéticos cumpriram uma parte importante na imposição do controle social. Estes modelos fornecem inerentemente uma forma de pensar sobre um “campo” de componentes interativos. Uma vez que o campo pode ser visto, ele pode se tornar o objeto de novas formas de conhecimento, o que por sua vez pode permitir novas formas de controle social a serem exercidas sobre os componentes do campo. Durante os anos 50, por exemplo, a medicina começou a reconhecer o ambiente psicossocial do paciente: a família do paciente e sua psicodinâmica. Profissões tais como o serviço social começaram a focar sobre este novo ambiente, e o conhecimento resultante tornou-se um modo de controlar mais o paciente. Pacientes começaram a ser vistos não mais como corpos individuais isolados, mas como entidades psicossociais localizadas num sistema “ecológico”: a administração da “psicologia do paciente foi uma nova forma de controle do paciente.”

Os modelos que os biólogos usam para descrever seus dados podem ter importantes efeitos sociais. Durante o século dezenove as ciências sociais e naturais influenciaram fortemente uma a outra: as idéias sociais de Malthus sobre como evitar o crescimento natural do pobre inspiraram A Origem das Espécies de Darwin. Uma vez que a Origem se colocou como uma descrição do mundo natural, completa com competição e lutas de mercado, ela pode ser reimportada pela ciência social como o Darwinismo social, no objetivo de justificar a ordem social. O que estamos vendo agora é similar: a importação de idéias culturais sobre fêmeas passivas e machos heróicos pelas “personalidades” dos gametas. Isto significa “implantar imagens sociais sobre representações da natureza de forma a estabelecer uma base firma para reimportar as mesmas imagens como explicações naturais de fenômenos sociais.

Mais pesquisa nos mostraria exatamente quais efeitos sociais estão sendo trabalhados a partir das imagens biológicas do óvulo e do esperma. No mínimo, as imagens mantêm vivas alguns dos estereótipos mais antigos sobre as fracas donzelas angustiadas e seus fortes machos salvadores. Que estes estereótipos estejam agora sendo escritos ao nível da célula constitui um movimento poderoso para fazê-los parecer tão naturais que sejam imunes a alteração.

As imagens estereotípicas podem também encorajar pessoas a imaginar que o que resulta da interação entre o óvulo e o esperma – um óvulo fertilizado – é o resultado de uma ação “humana” deliberada no nível celular. Independentemente das intenções do casal humano, nesta “cultura” microscópica uma “noiva” celular (ou fêmea fatal) e um “noivo” celular (sua vítima) fazem um bebê celular. Rosalind Petchesky aponta que através de representações visuais tais como os as imagens ultrassônicas, temos acesso a “imagens de fetos cada vez mais novos e cada vez menores sendo ‘salvos’.” Isto leva ao “ponto de visibilidade ser ‘empurrado para trás’ indefinidamente”. Dotar os óvulos e espermas de ação intencional, um aspecto chave da pessoalidade em nossa cultura, estabelece as fundações para o ponto de visibilidade ser empurrado para trás até o momento da fertilização. Isto, provavelmente, levará a uma maior aceitação dos desenvolvimentos tecnológicos e a novas formas de investigação e manipulação, para o benefício dessas “pessoas” internas: restrições legais às atividades de mulheres grávidas para proteger seus fetos, cirurgia fetal, amniocentesis, e revogação dos direitos de aborto, para citar uns poucos exemplos.

Mesmo que tenhamos sucesso em substituir metáforas mais igualitárias e interativas para descrever as atividades do óvulo e do esperma, e consigamos evitar os perigos dos modelos cibernéticos, ainda estaríamos culpadas de dotar entidades celulares com pessoalidade. Mais crucial do que os tipos de personalidade que estamos outorgando às células é o próprio fato de estarmos fazendo isso. Este processo pode vir a ter conseqüências sociais profundamente danosas.

Um claro desafio feminista é acordar metáforas adormecidas nas ciências, particularmente aquelas envolvidas em descrições do óvulo e do esperma. Embora a convenção literária seja chamar tais metáforas de “mortas”, elas não estão mais mortas do que adormecidas, escondidas dentro do conteúdo científico de textos – e muito poderosas para ele. Acordar tais metáforas, tornando-nos conscientes de quando nós estamos projetando imagens culturais sobre o que estudamos, melhorará nossa capacidade de investigar e entender a natureza. Acordar tais metáforas, tornando-nos conscientes de suas implicações, as furtará de seu poder de naturalizar nossas convenções sociais sobre gênero.

RECUSO-ME A SER BARRIGA DE ALUGUER!!!!!!!!!!!!!


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